Antes de começarem com a crucificação, aviso já: não são blinis. Pronto, ganharam. E agora vamos ao que interessa. Trouxe tangerinas do meu quintal amarense para Helsínquia. Foi a loucura. Ninguém neste país sabe o que é uma tangerina, muito menos uma tangerina amarense. Agora já há uns quantos que sabem. Dois terços das tangerinas foram comidas sem qualquer procedimento culinário a não ser o descasque. E até aqui houve súplicas para que as cascas não fossem parar ao lixo. Que isto é casca de qualidade olímpica e merece uma segunda, quiçá terceira, oportunidade. E assim me lembrei de replicar uma receita da autoria de uma ilustre cozinheira amarense que já havia experimentado há anos. Que Amares não é só terra de citrinos; também por lá existem soberbas plantações de kiwi. Juro! E não é que a junção de tangerinas e kiwis numa compota atinge proporções orgásticas? É simples: despedaçar tangerinas inteiras, cortar cascas de tangerina previamente comidas por criaturas finnas (se as houver) em tiras finíssimas, juntar igual quantidade de polpa de kiwi em cubos grossos. Adicionar metade do peso da fruta em açúcar. Levar ao lume lento durante cerca de 90 minutos, ou até as cacas de tangerina ficarem suaves e perderem o sabor amargo. Se ao longo da cozedura o doce perder humidade, adicionar quantidades homeopáticas de água quente. É importante não deixar que fique demasiado espesso ou caramelizado. Deve ir para dentro do frasco ainda meio líquido. Guardar no frigorífico e comer com tudo.
Para os blinis que mais parecem panquecas que mais parecem crepes gone wrong (tudo certo!), é só bater dois ovos grandes com 250 ml de iogurte turco, até se conseguir uma nhanha aveludada. Por estas bandas, nos supermercados, o iogurte turco é mais comum que o grego, e é também bastante mais espesso e “ácido”; mas também dá para usar o grego, desde que seja grego da Grécia, sem açúcar nem sabores esquisitos e com a gordura completa do leite, nada de cenas light. Aos poucos, para não grumar, juntar 125 gr de farinha de trigo e bater sempre. Juntar uma pitada envergonhada de sal fino. A massa resultante será muito mais espessa que a dos crepes comuns. Derreter quantidades generosas de manteiga numa frigideira anti-aderente. Fritar colheradas generosas de massa, dos dois lados, virando várias vezes, sem a preocupação de espalhar a massa pela superfície da frigideira. É suposto que o resultado sejam circunferências imperfeitas, inchadas e suculentas… (ups) Colocar num prato, em mini-torres, polvilhando com açúcar em pó.
Juntar as duas coisas em doses industriais e comer sofregamente. Se houver tempo, tirar uma fotografia péssima e depois eliminar o fundo no Photoshop, que eu cá não gosto de sonetos, só de emendas.
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