“About The Absolute Sensuality & Other Techno-Emotional Aesthetics” is a video-installation triptych commissioned by LUPA Festival (Porto, Portugal), in which Chef Rø proclaims his “culinary-artistic manifesto” while preparing, eating and regurgitating an exquisite, yet poisonous, amuse-bouche. The piece was purposefully created for LUPA Festival (2020), hosted by La Marmita, Porto (Portugal).
Concept/Performance/Edition: Rogério Nuno Costa | Text: Nuno Miguel | Thanks to: João Costa Espinho, La Marmita, BELA TV.
PRESENTE ENVENENADO
AKA “Arte Contemporânea”, a de Agora. Uma receita Chef Rø para o LUPA Festival, com texto de Nuno Miguel [aka Ministro da Comida]
Preparação
Molho de soja, hastes de cebolinho, limão, framboesas, mirtilos, rúcula, creme de chocolate, meloa, hortelã, ovas de peixe, chèvre, ovo de codorniz, alga nori, vinagre de arroz, ou então o que houver no frigorífico no momento em que nos decidimos a filmar. Dispor os ingredientes separadamente na mesa, de forma esteticamente aprazível. Segurar a câmara de filmar com uma mão, cozinhar com a outra. Isto tem nome: Dogma Food
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Confecção
Molhar quadrados de nori em vinagre de arroz. Colocar no centro 1 exemplar de cada fruto, 1 colher de ovas, 1 folha de rúcula e outra de hortelã e 1 rodela de chèvre. Temperar com chocolate, limão e ovo levemente batido. Fechar a alga com cuidado na forma de presente, embrulhando todos os ingredientes. Laçar com haste de cebolinho. Guardar no frigorífico (1 hora).
Deglutição
Colocar o presente no centro de um prato. Olhar para ele com atenção, cedendo à sensualidade absoluta da sua tecno-estética emocional. Com o auxílio de dois pauzinhos, molhar com molho de soja e comer de um só trago, ou seja, mastigar sem pensar.
Rejeição
Regurgitar a arte contemporânea, expelindo cada um dos seus elementos tecno-estéticos, com o auxílio do modo REVERSE do iMovie.
& OUTRAS ESTÉTICAS TECNO-EMOCIONAIS
Para a medicina, o modelo corporal é o cadáver. Ou seja, o cadáver é a forma ideal do corpo, o estado em que é completamente objectivo para a ciência. No cadáver, já nada existe que ultrapasse o natural, tudo é sistematizável e evidente. Para a religião, a referência ideal do corpo é o animal (instintos e apetites da carne); o animal humano é entendido como uma ovelha, quase sempre tresmalhada, porque o sexo é para procriar e aumentar o rebanho. Para o sistema de economia política, o modelo ideal do corpo é o robot : modelo perfeito de funcionalidade, assexuada força de trabalho. Para a economia das trocas simbólicas, a referência do corpo é o “manequim”, com todas as suas variantes, desde a Vénus de Milo até à Kate Moss. Semelhante ao robot , este corpo é totalmente funcional e vive sob a lei do valor, mas desta vez como local de produção do valor sígnico. O que é produzido já não é a força do trabalho, mas sim modelos de significação — performance sexual e também a sexualidade em si mesma como modelo. O que o Chef Ró nos propõe, todavia, não é mais uma destas performances sobre o corpo. Estão fora das competências do Chef: a higiene, a saúde, a produtividade industrial racional, ou a libertação sexual. Ao Chef só interessa a dimensão trans-(in)disciplinar da performance no seu ponto de fuga possível, algures no mundo de fantasia da estetização da mercadoria, através da indústria cosmética alimentar. O Chef não procura a arte, mas sim esse momento sublime presente na magia do seu desaparecimento; ciente, porém, de que o pecado capital da arte contemporânea consiste em repetir o seu próprio desaparecimento de forma repetitiva, ao abrir portas que há muito estão abertas. Todas as formas de suicídio heróico já foram cumpridas na abnegação das formas. Para o Chef, este desaparecimento acontece em segunda mão, em plena situação perversa em que não só a utopia da arte já foi realizada, pois penetrou na vida real (em conjunção com as utopias políticas, sociais e sexuais), mas, para nossa surpresa, também já foi realizada a utopia do desaparecimento da arte. A arte está assim destinada a encenar o seu desaparecimento de muitas formas, uma vez que a sua anulação real já ocorreu. Revivemos o desaparecimento da arte, todos os dias, na repetição entediante das suas manifestações constantes — quer sejam figurativas, abstractas, teatrais, performativas ou multimédia —, assim como todos os dias revivemos o desaparecimento da política na repetição enfadonha dos seus rituais nos telejornais, ou o desaparecimento da sexualidade na divulgação pornográfica e publicitária das suas formas. Curiosamente, descobrimos que não há melhor forma de fazer desaparecer a arte do que repeti-la até à náusea e em overdose. O Chef é assim apologista de todos os festivais, museus, saraus e feiras de arte. Mas é necessário distinguir dois momentos: o momento do suicídio heróico, em que a arte experimentou e expressou o seu desaparecimento, e o momento em que lida com este desaparecimento como herança negativa. O primeiro momento é original, só acontece uma vez, mesmo que tenha durado décadas (algures entre os séculos XIX e XX). O segundo momento pode durar uma eternidade, em coma irreversível, pois já nada há de original e vivo, é apenas representação ou lamento do suicídio. Mesmo quando falhamos o suicídio, não deixamos de conquistar a glória e o sucesso. Bem sabemos que um suicídio falhado é a melhor forma de publicidade: e assim mais uma vez, e outra, e outra… renasce a estetização oficial da mercadoria, esse movimento romântico sentimentalista do “ai tão boa que era a arte antigamente”. Mas já sabemos que o romantismo é a primeira forma de ready-made , ao pegar em manifestações antigas do pronto-a-vestir da História e vender tudo isso num novo contexto. Pois é! A doença mortal já existe há muito tempo, a orgia cheira a naftalina… Mas o que fazer depois da grande festa? Ou só nos resta a violência da indiferença e banalidade? O Chef só nos pode propor outra forma de desilusão, ou, melhor que isso, más ideias! Que outras nos restam depois da orgia da libertação política, libertação sexual, libertação da força produtiva, libertação da força destrutiva, libertação da mulher, libertação gay, libertação das crianças, libertação das pulsões inconscientes, libertação da arte? Hoje já tudo foi libertado, mas esta liberdade cai em si mesma como o seu contrário e pergunta: QUEM NOS LIBERTA DE TANTA LIBERTAÇÂO? Depois da orgia já nada de real existe, só a aceleração inerte no vazio; porque todos os fins da libertação ficaram para trás, só os podemos reproduzir, e isso é uma condição que contraria a liberdade na sua essência. É essa re-encenação forçada dos fins da libertação que faz com que desapareçam enquanto liberdade, numa espécie de indiferença fatal e ritual. Também é esse o destino da arte. Vemos a grande transcendência da arte materializada em toda a parte. A arte entrou no real e em todos os urinóis públicos há Duchamps. A estilização do mundo está completa, tudo é arte. Os iconólatras, esse percursores medievais dos artistas, eram pessoas subtis que proclamavam representar Deus para Sua glória, mas que na realidade varreram Deus para debaixo do tapete das formas artísticas. Por detrás de cada imagem, Deus desaparecia, entre o camuflado e o conspurcado. Não estava morto, apenas desaparecia numa espécie de banalização; deixava assim de ser um problema. O problema da existência ou não existência de Deus era resolvida por esta reprodução. Mas podemos pensar se não seria uma ideia de Deus desaparecer escondido atrás de todo esse lixo. Não será todo o existente uma obra de arte que revela, e por isso oculta, o divino? Deus usou a arte para desaparecer obedecendo a um impulso metafísico primordial: a vontade de se camuflar numa cascata de formas, cores e sabores. Assim, a profecia é proclamada: vivemos no mundo da representação, o mundo em que a função mais alta dos signos é fazer com que a realidade desapareça e, ao mesmo tempo, mascarar esse desaparecimento. A arte é apenas parte dessa função, assim como a comunicação social, a ciência, a filosofia, a política e a economia. É por isso que o destino de tudo isto é desaparecer.